terça-feira, 10 de maio de 2016

O xadrez do piriri da bailarina

Coluna Econômica - 10/05/2016

Luis Nassif
O quadro do impeachment parece quase consumado. O quase atrapalha o golpe. E, em um país em que o presidente da Câmara toma a decisão monocrática de barrar o impeachment e, antes de terminar o dia, volta atrás, tudo é possível.
Há as seguintes contra-forças se formando, crescendo, mas ainda insuficientes para reverter o processo.

1. O cenário econômico

Departamentos econômicos já identificaram potencial de crescimento no país. O país cresce abaixo do chamado PIB potencial. Isso é decorrência de um superdimensionamento da crise por parte dos empresários. Com um mínimo de previsibilidade, o país retoma o crescimento, primeiro pela recuperação dos ativos, segundo pelo uso da capacidade ociosa das empresas.
Essa recuperação poderá ser puxada pela redução da inflação, à qual se seguirá uma queda de juros. Economistas bem situados estão apostando em taxa Selic abaixo de 10% no próximo ano.
Mesmo assim, será uma recuperação em bases tímidas, devido à perda de dinamismo da economia internacional.
O fator previsibilidade pesará no desfecho da tentativa de impeachment de Dilma. Mas, no momento, nenhuma das duas saídas possíveis – governo com Temer ou a volta do governo para Dilma – parece acenar com estabilidade.

2.  A governabilidade com Temer.

Fantasia são as utopias criadas em torno de algo que nunca foi. É como a bailarina de Chico. Todo mundo tem pereba, marca de bexiga ou vacina, e tem piriri, tem lombriga, tem ameba: só a bailarina que não tem
Até agora, o governo Temer era a bailarina da música, perfeito porque inexistente. Na medida em que começa a ganhar corpo, o que se vê é um noivo um tanto problemático, com muita pereba e remela no nariz.
O impedimento de Eduardo Cunha significou a perda do maior articulador de que Temer dispunha. As dificuldades para a montagem do Ministério, os dilemas entre o clientelismo e o nunca visto Ministério de notáveis, os passos em falso, os recuos, são prenúncios óbvios dos tropeços que aguardam um eventual governo Temer.
Além disso, a Lava Jato prosseguirá no seu encalço. Será quase impossível que Temer saia incólume das investigações em curso. Se assume, dificilmente chegará inteiro a 2018.

3. A governabilidade com Dilma

Há duas verdades cristalinas: a primeira, que o impeachment é golpe; a segunda, é que não haverá a menor chance para a governabilidade no modelo Dilma de gestão.
O impeachment perderia força definitivamente no âmbito de um pacto negociado, no qual a presidente abrisse mão de poder, permitindo a montagem de um arco amplo de aliança tocado por um Ministério efetivamente de notáveis.
Se a presidente conseguisse avançar nessa direção, aumentaria as chances de reversão do impeachment, porque há outras forças caminhando nessa direção.

4. O enfraquecimento dos álibis de consciência.

Trata-se das desculpas que o sujeito levanta para justificar um ato ilegítimo. No plano político, a mais conhecida é a desculpa de que se implantou a ditadura para preservar a democracia.
Especialmente no meio jurídico começa a se formar consenso sobre o estupro da Constituição com o processo de impeachment. As exaustivas sessões na Câmara e no Senado expuseram de forma ampla a precariedade dos argumentos levantados, o excesso de argumentos tentando contornar a falta de consistência das acusações centrais. E, principalmente, a extraordinária desproporção entre as supostas infrações e o tamanho da pena aplicada, que desmoraliza completamente a democracia brasileira.
Gradativamente, o fator Dilma – e seus erros – saem de cena para a discussão focar no fundamental: os significados do impeachment para a democracia brasileira. E aí o quadro torna-se desmoralizante.
O fator Congresso – o espetáculo dantesco da turba de parlamentares berrando SIM entrou definitivamente para os anais da história política do país. Não apenas pela selvageria do momento, mas por deixar claro o perfil dos beneficiários da queda de Dilma.
O fator Janaína – o pocket-show de Janaina Paschoal no Senado reforçou a ideia da precariedade dos argumentos em defesa do impeachment e do nível dos principais proponentes.
O fator internacional – Juristas do mundo inteiro estão tomando consciência e denunciando o golpe, assim como a própria mídia internacional. Nesse sentido, os alertas do ex-Ministro Joaquim Barbosa sobre os riscos para a imagem institucional do país foram relevantes. Não é apenas a imagem do Brasil que está em jogo, mas especialmente do Supremo, guardião da Constituição.
Ontem, a visita do presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Supremo expôs mais uma vez os riscos de imagem que correm o país e o próprio STF, se permitir atropelar os ritos previstos para o impeachment.

5. O fator Supremo e PGR

Há uma tentativa em curso de reverter o impeachment no STF (Supremo Tribunal Federal). Para um bom número de Ministros ficou claro a temeridade de ter permitido que o impeachment caminhasse da maneira como andou, colocando o país nas mãos de um agrupamento de deputados liderados por um gângster político.
O caminho para barrar essa aventura seria através da interpretação da Lei do Impeachment, de 1950, e das deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Pode-se vetar o impeachment na forma – por ter desobedecido às condições definidas em lei e pela Corte, para os processos de impeachment. E também no conteúdo, entrando-se no mérito do que foi imputado a Dilma como crime de responsabilidade.
Trata-se de uma estratégia complexa que passa, primeiro, pelo convencimento da maioria dos membros do STF. Além disso, os processos internos sempre estarão sujeitos às manobras de outros Ministros – como o de pedir vistas indefinidamente.
Não se pode ignorar, por outro lado, o protagonismo cada vez mais radicalizado do Ministério Público Federal. Com exceção provável de Aécio Neves, o Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot ampliará seus tiros em cima de todos os políticos relevantes do PT – incluindo a presidente e Lula - e do PMDB – incluindo Renan e Temer.
Mesmo assim, é possível que os Ministros legalistas do Supremo ousem a última tentativa de impedir o golpe nos próximos dias.

6. Resultantes

Muita água ainda vai rolar, muita crise política vai acontecer. Pelas dificuldades em se consolidar tanto um eventual governo Temer como um governo Dilma, o que se pode apostar – neste momento, saliente-se – é um recrudescimento da crise política e um desfecho que poderá antecipar as eleições gerais.

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